janelas vazias

Quando ele olha pela janela, a vizinha se pergunta o que aqueles olhos veem. O rapaz passa minuto atrás de minuto, imóvel, olhando para frente como se fosse uma estátua de gesso. A noite, os transeuntes levam sustos homéricos, ao imaginar que foram observados. Carros, bicicletas e sapatos olham-no, admirados, em como ele consegue manter-se de pé, naquela posição, vendo a vida passar (sem vivê-la). Raramente pisca, esporadicamente boceja, suas idas ao interior da casa são intermitentes.

Seus olhos parecem exprimir uma velha reza, suas pupilas jamais focam em alguém específico, ele simplesmente olha para fora da janela, posicionando-se atrás dela (ou seria em frente a?). Dona Amélia vive dizendo que o rapaz sofreu um derrame. Tatiane frequentemente flerta com o rapaz, faz longas pausas diante dele e o observa também, no fundo dos olhos. Carlos, por sua vez, a observa como se olhasse em sua úlcera; como se soubesse que ela traiu Ricardo quatro vezes, como se a brisa lhe sussurrasse que ela está tão vazia quanto a barragem da cidade, como se a janela lhe presenteasse com tudo o que discerniu, das inúmeras vezes que a moçoila transitou em frente a casa.

Parece assustador. Desde o dia em que Carlos se posicionou junto a janela e sussurrou-lhe nas velhas engrenagens enferrujadas, que juntos fossem apenas um, como criatura e criador, a janela deixou de ser madeira, vidro e metal. Começou a dizer-lhe nomes, datas, acontecimentos. Carlos nunca viu Joana, mas a janela lhe diz que ela é infeliz com o casamento. Carlos nunca viu Rodolfo, mas sabe que toda aquela agressividade são desejos sexuais reprimidos. Carlos nunca precisou gravar uma placa de carro, um rosto, uma cor de all stars, mas eles lhe contam tudo.

As vezes escuta o canto dos mongoiós antes do massacre. Perde a visão turva e vê sua própria imagem lá fora: Moreno, alto, enfeitado com tinta, penas e um olhar que desperta medo e respeito. Quando o chackra da base lhe permite fincar os pés no chão, recobra os sentidos e vê diante de si uma longa fila de curiosos, que atentamente o fitam, em busca de seus olhos sagrados, que revelam sem nenhuma palavra, tudo aquilo o que eles foram, são e serão. Matias será pai; Todos os domingos de missa não salvarão Josefa; Lino corre sérios riscos.

Mas haviam ocasiões onde a janela não dizia nada. Premiava o rapaz com um ar solene, um respeito digno de luto e fim. A brisa não trazia mais os nomes, os olhares inquietos não lhe despertavam visões, tampouco o canto indígena chegava aos seus ouvidos. Haviam tardes em que a janela era um completo vazio, parecia uma caverna sem eco. Nem mesmo o barulho dos pássaros, caminhões e murmúrios de súplica lhe alcançavam. Carlos não ouvia o próprio coração, respiração ou cérebro. Era uma sensação desconfortante de que ele era vazio, estava em um lugar vazio, com pessoas vazias, numa terra vazia. Uma única ilha em meio ao oceano, que não tinha absolutamente nada. Parecia que ele havia se virado do avesso, engolido toda a multidão de cores, formas e vibrações e transmutado em um eterno nada. Escutar a janela era maravilhoso. Mas perder-se no completo vazio era o Nirvana.

Deixe um comentário